14.6.12

Os doces de Cora

Pouca gente sabe que eu sou goiana. Na verdade, fui criada em Belo Horizonte desde que tinha 1 ano, portanto, nada mais justo que assumir minha dupla cidadania goianeira. Mesmo me sentindo cidadã belorizontina, que ama essa cidade como poucos, as raízes goianas sempre estão comigo. Meu avô era professor e escritor. Pedro Gomes era um sertanista, falava dos cotidianos das pessoas da roça e da cidade de Goiás, com delicadeza e respeito. Ele era amigo daquela que eu considero uma das pessoas mais sábias e profundas que já passaram pelo século XX: Cora Coralina.
Cora foi uma mulher ousada, inteligente e muito à frente do seu tempo. E como sempre acontece, acabou pagando um preço alto por isso.
E o preço ela pagava fazendo doces maravilhosos que a sustentavam e nutriam, também sua poesia.

No meu sítio, as raízes goianas se misturam aos sabores de Minas. Este livro foi lançado no ano passado, ou em 2010, se não me engano. Ele traz os escritos e as receitas manuscritas com a letra belíssima da autora, e traduzidos para os tempos atuais. Bom, eu sou adepta das tradições antigas, ainda que isso dê um trabalhão! Esses são os doces de banana que fiz a partir da receita original da Cora. Se ficou bom? Sim, e muito! Mas o que mais me deixou feliz foi resgatar um pouquinho daquela tradição. Não vou publicar a receita, porque não estou com o livro aqui, mas deixo uns versos dela para vocês, que têm o mesmo sabor do doce da memória...



O Passado...

Homens sem pressa, 
talvez cansados, 
descem com leva 
madeirões pesados, 
lavrados por escravos 
em rudes simetrias, 
do tempo das acutas. 
Inclemência. 
Caem pedaços na calçada. 
Passantes cautelosos 
desviam-se com prudência. 
Que importa a eles o sobrado?

Gente que passa indiferente, 
olha de longe, 
na dobra das esquinas, 
as traves que despencam. 
-Que vale para eles o sobrado?

Quem vê nas velhas sacadas 
de ferro forjado 
as sombras debruçadas? 
Quem é que está ouvindo 
o clamor, o adeus, o chamado?... 
Que importa a marca dos retratos na parede? 
Que importam as salas destelhadas, 
e o pudor das alcovas devassadas... 
Que importam?

E vão fugindo do sobrado, 
aos poucos, 
os quadros do Passado.

Cora Coralina